A história do livro se passa em
Orã, cidade que é acometida por estranhos acontecimentos até levar a dizimar
grande parte da população por uma peste de causas desconhecidas. A narrativa do
livro será enunciada pelo médico Rieux.
A peste é apresentada como uma
metáfora para problematizar a questão da angústia, aqui entendida em seu
sentido existencial diante da condição humana. No decorrer da história em suas entrelinhas,
será posto em questão a liberdade, as consequências de sua privação e das
possibilidades de escolha e até mesmo a impotência ao se lidar com a angústia
enquanto condição humana.
Com a explosão da peste surge a
necessidade de se colocar as pessoas em quarentena, para que o risco de
contaminação seja amenizado, nesta parte temos as consequências da privação da
liberdade.
Ao ser privadas da liberdade é
notável as reações de ódio, as pessoas ateavam fogo em suas próprias casas, tal
destruição e escamoteada pelo sentimento de ressentimento diante da liberdade
negada. Como afirma Rollo May “ Não é possível ao ser humano renunciar a
liberdade sem que algo surja pra compensar” (MAY, 1988, p. 124) .
Em função dos recorrentes ataques
será declarado na cidade de Orã estado de sítio, onde dois ladrões serão executados,
para tentar reafirmar o poder da autoridade diante do caos, no entanto, sem
efeito. O que causará surpresa e desconforto na população será o que toque de
recolher ás 23h, que é mais uma forma de privar do livre acesso ao âmbito
público.
Outra consequência da privação da
liberdade será a transformação dos valores, que se faz necessária neste
contexto para que seja possível ter coragem para lutar pela liberdade. As
pessoas começaram a se revelar de forma diferente os maridos inconstantes se
mostraram constantes no amor. Os funerais para as pessoas que foram mortas pela
peste se tornaram breves pelo risco de contaminação e até mesmo pela sua
banalização, “tinha que se sacrificar tudo pela eficácia” (CAMUS, 2011, p.159).
Outros juízos foram suspendidos,
como por exemplo, a indiferença da qualidade das roupas usada (CAMUS, 2011, p.
168)
No geral o que era compartilhado
por todos era a peste e os sentimentos de separação, exílio que fazia com que
as pessoas se comportassem com medo e revolta.
Além da privação da liberdade
mostrada coletivamente, no livro existe uma peculiar personagem que tem a
liberdade de outra forma, o seu nome é Cottard. No decorrer da história ele
será o único, descrito, que se sente confortável com a peste instaurada na
cidade. Na verdade o seu grande medo é
de se encontrar com a solidão, já que antes da cidade ser acometida pela peste
ele havia cometido um crime que o levaria para a prisão. Ele prefere viver
aprisionado com outras pessoas em estado de sítio, do que se deparar consigo
mesmo.
Isto me lembra de Montaigne e
Pascal ao dizer dos subterfúgios do homem, em preferir viver em meio ao
tumulto, as distrações do que deparar consigo mesmo. Acredito que é o que, Camus
está delatando também em sua obra.
Para dizer das escolhas temos a
personagem Rambert , ele é um estrangeiro que fica preso a cidade no período de
quarentena o que o separa de sua amada.
Ele a princípio luta por fugir da cidade, mas quando tem a oportunidade de
fazê-lo escolhe por permanecer pra lutar contra a peste.
A sua consciência o orienta a
agir desta forma para que os seus mais íntimos desejos sejam alcançados. Em outra
conversa com Rieux ele irá anunciar um de seus valores: “Estou farto do
heroísmo, de pessoas que morrer por ideias, o
que me interessa e que se viva ou morra pelo o que se ama” (CAMUS, 2011, p.117).
Ele escolhe ficar, pois ao partir teria vergonha e que isto “perturbaria o amor por aquela que tinha
deixado”, no caso a sua amada (CAMUS, 2011, p.190).
Viver dentro do contexto da peste
que faz Rambert ter acesso ao um estágio
mais “profundo” da consciência ou como o Rollo May nomeia sua autoconsciência criativa, onde a
personagem age de forma a preservar o seu valor, no caso o amor. Sobre o agir
ético Rollo May cita “Quando alguém decidir como agir e afirmar o objetivo com
plena consciência é que sua ação terá convicção e força, pois então de fato a
pessoa acredita no que está fazendo” (MAY,1988, p. 181)
Outro elemento interessante que
Camus suscita é o da temporalidade, de como a distância atenua ou ameniza
nossas afecções. Isto pode ser visto na
citação a seguir: “A condição do prisioneiro [as pessoas em quarentena] nos
reduzia ao passado, se alguém tentasse viver o futuro, logo renunciava, ao experimentar
as feridas que a imaginação finalmente inflige aos que nela confiam” (CAMUS,
2011, p.69)
Em decorrência deste
distanciamento Camus descreve a entrega ao sentimento de monotonia, em três
momentos: O primeiro momento onde se tinham memória dos entes queridos, mas a
imaginação era insuficiente para que eles conseguir pensar nas pessoas vivendo
em sua cotidianidade. No segundo momento onde há perda da memória, só restavam
sombras do seu amor. Último momento onde já não conseguiam pensar que tinha com
os entes sentimento de intimidade.
A peste surge como algo sem
causas e as medidas que são tomadas contra ela são falhas. O médico Rieux, irá
se deparar com sentimento de ineficácia diante das luta contra a doença e das
pessoas que delas foram acometidas. A figura do médico, entendido com salvador
das doenças, que se mostra como impotente e está em constante embate com a
peste é uma metáfora que diz do dilema humano ao se deparar com a angústia.
Este dilema é o sentimento de
angústia vivido pelo homem que é livre, que pode escolher e se desenvolver á
partir disto, e ao mesmo tempo é limitado, pois é finito e mortal.
Isto diz da impossibilidade do
homem de encontrar uma solução, um remédio para a angústia, pois ela é inerente
à condição humana. E da mesma forma como a peste, de Camus, ela surge e de se
esvai sem que tenhamos controle.
É por isto que nos encontramos
sempre em busca de uma distração de algo que nos afaste do medo da morte,
estamos todos no fundo, empestados. Lê-se angustiados e lutar contra este
sentimento é algo penoso então esperamos que a sensação passe, ou seja, que
seja substituído por uma nova distração.. .Como diz o velho paciente de
Rieux, nas paginas finais do livro:
“O homem direito, aquele que não se infecta
quase ninguém, é aquele que tem o menor numero de distrações possíveis. E como
é preciso ter vontade e atenção para nunca se ficar distraído! Sim Rieux, é bem
cansativo ser um empestado. No entanto é mais cansativo não querer sê-lo. É por
isto todos parecem cansados, hoje em dia, se acham poucos empestados” (CAMUS, 2011, p. 229)
Quando a peste é enunciada como dizimada, temos a surpresa
da morte de Tarrou, a peste ali anuncia a condição impotente do homem ao lidar com
a angustia, de não ter nenhuma distração que o faça esquecer de que um dia irá
se depara com a morte. Quando a peste resolvida, para a personagem já não se
faz sentido viver. “ Tarrou tinha
consciência de quando estéril a vida é sem ilusões” (CAMUS,2011, p. 263)
Referência Bibliográfica:
MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo. Petrópolis: Vozes, 1988. 230p. (Coleção psicanálise)
CAMUS, Albert. A Peste.Rio de Janeiro : BestBolso, 2011. 238p. Tradução de Valerie Rumjanek
Referência Bibliográfica:
MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo. Petrópolis: Vozes, 1988. 230p. (Coleção psicanálise)
CAMUS, Albert. A Peste.Rio de Janeiro : BestBolso, 2011. 238p. Tradução de Valerie Rumjanek
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