sexta-feira, 13 de julho de 2012

A Peste - Albert Camus (1972)

O livro é fantástico, enuncia vários elementos de uma perspectiva existencial da qual pretendo exprimir abaixo, sem pretensões metodológicas e ou muito aprofundamento (que é merecido). São algumas ideias sobre o livro A Peste relacionadas com algumas concepções de Rollo May encontradas no livro: “O homem a procura de si mesmo”.

A história do livro se passa em Orã, cidade que é acometida por estranhos acontecimentos até levar a dizimar grande parte da população por uma peste de causas desconhecidas. A narrativa do livro será enunciada pelo médico Rieux.

 A peste é apresentada como uma metáfora para problematizar a questão da angústia, aqui entendida em seu sentido existencial diante da condição humana. No decorrer da história em suas entrelinhas, será posto em questão a liberdade, as consequências de sua privação e das possibilidades de escolha e até mesmo a impotência ao se lidar com a angústia enquanto condição humana.

Com a explosão da peste surge a necessidade de se colocar as pessoas em quarentena, para que o risco de contaminação seja amenizado, nesta parte temos as consequências da privação da liberdade.
Ao ser privadas da liberdade é notável as reações de ódio, as pessoas ateavam fogo em suas próprias casas, tal destruição e escamoteada pelo sentimento de ressentimento diante da liberdade negada. Como afirma Rollo May “ Não é possível ao ser humano renunciar a liberdade sem que algo surja pra compensar” (MAY, 1988, p. 124) . 

Em função dos recorrentes ataques será declarado na cidade de Orã estado de sítio, onde dois ladrões serão executados, para tentar reafirmar o poder da autoridade diante do caos, no entanto, sem efeito. O que causará surpresa e desconforto na população será o que toque de recolher ás 23h, que é mais uma forma de privar do livre acesso ao âmbito público. 

Outra consequência da privação da liberdade será a transformação dos valores, que se faz necessária neste contexto para que seja possível ter coragem para lutar pela liberdade. As pessoas começaram a se revelar de forma diferente os maridos inconstantes se mostraram constantes no amor. Os funerais para as pessoas que foram mortas pela peste se tornaram breves pelo risco de contaminação e até mesmo pela sua banalização, “tinha que se sacrificar tudo pela eficácia” (CAMUS, 2011, p.159).

Outros juízos foram suspendidos, como por exemplo, a indiferença da qualidade das roupas usada (CAMUS, 2011, p. 168)

No geral o que era compartilhado por todos era a peste e os sentimentos de separação, exílio que fazia com que as pessoas se comportassem com medo e revolta.

Além da privação da liberdade mostrada coletivamente, no livro existe uma peculiar personagem que tem a liberdade de outra forma, o seu nome é Cottard. No decorrer da história ele será o único, descrito, que se sente confortável com a peste instaurada na cidade.  Na verdade o seu grande medo é de se encontrar com a solidão, já que antes da cidade ser acometida pela peste ele havia cometido um crime que o levaria para a prisão. Ele prefere viver aprisionado com outras pessoas em estado de sítio, do que se deparar consigo mesmo.  

Isto me lembra de Montaigne e Pascal ao dizer dos subterfúgios do homem, em preferir viver em meio ao tumulto, as distrações do que deparar consigo mesmo. Acredito que é o que, Camus está delatando também em sua obra.

Para dizer das escolhas temos a personagem Rambert , ele é um estrangeiro  que fica preso a cidade no período de quarentena  o que o separa de sua amada. Ele a princípio luta por fugir da cidade, mas quando tem a oportunidade de fazê-lo escolhe por permanecer pra lutar contra a peste.

A sua consciência o orienta a agir desta forma para que os seus mais íntimos desejos sejam alcançados. Em outra conversa com Rieux ele irá anunciar um de seus valores: “Estou farto do heroísmo, de pessoas que morrer por ideias, o que me interessa e que se viva ou morra pelo o que se ama” (CAMUS, 2011, p.117). Ele escolhe ficar, pois ao partir teria vergonha e que isto “perturbaria o amor por aquela que tinha deixado”, no caso a sua amada (CAMUS, 2011, p.190).

Viver dentro do contexto da peste que faz Rambert  ter acesso ao um estágio mais “profundo” da consciência ou como o Rollo May nomeia  sua autoconsciência criativa, onde a personagem age de forma a preservar o seu valor, no caso o amor. Sobre o agir ético Rollo May cita “Quando alguém decidir como agir e afirmar o objetivo com plena consciência é que sua ação terá convicção e força, pois então de fato a pessoa acredita no que está fazendo” (MAY,1988, p. 181)

Outro elemento interessante que Camus suscita é o da temporalidade, de como a distância atenua ou ameniza nossas afecções.  Isto pode ser visto na citação a seguir: “A condição do prisioneiro [as pessoas em quarentena] nos reduzia ao passado, se alguém tentasse viver o futuro, logo renunciava, ao experimentar as feridas que a imaginação finalmente inflige aos que nela confiam” (CAMUS, 2011, p.69)

Em decorrência deste distanciamento Camus descreve a entrega ao sentimento de monotonia, em três momentos: O primeiro momento onde se tinham memória dos entes queridos, mas a imaginação era insuficiente para que eles conseguir pensar nas pessoas vivendo em sua cotidianidade. No segundo momento onde há perda da memória, só restavam sombras do seu amor. Último momento onde já não conseguiam pensar que tinha com os entes sentimento de intimidade. 

A peste surge como algo sem causas e as medidas que são tomadas contra ela são falhas. O médico Rieux, irá se deparar com sentimento de ineficácia diante das luta contra a doença e das pessoas que delas foram acometidas. A figura do médico, entendido com salvador das doenças, que se mostra como impotente e está em constante embate com a peste é uma metáfora que diz do dilema humano ao se deparar com a angústia. 

Este dilema é o sentimento de angústia vivido pelo homem que é livre, que pode escolher e se desenvolver á partir disto, e ao mesmo tempo é limitado, pois é finito e mortal. 

Isto diz da impossibilidade do homem de encontrar uma solução, um remédio para a angústia, pois ela é inerente à condição humana. E da mesma forma como a peste, de Camus, ela surge e de se esvai sem que tenhamos controle. 

É por isto que nos encontramos sempre em busca de uma distração de algo que nos afaste do medo da morte, estamos todos no fundo, empestados. Lê-se angustiados e lutar contra este sentimento é algo penoso então esperamos que a sensação passe, ou seja, que seja substituído por uma nova  distração.. .Como diz o velho paciente de Rieux, nas paginas finais do livro: 

 “O homem direito, aquele que não se infecta quase ninguém, é aquele que tem o menor numero de distrações possíveis. E como é preciso ter vontade e atenção para nunca se ficar distraído! Sim Rieux, é bem cansativo ser um empestado. No entanto é mais cansativo não querer sê-lo. É por isto todos parecem cansados, hoje em dia, se acham poucos empestados”  (CAMUS, 2011, p. 229)
 
Quando a peste é enunciada como dizimada, temos a surpresa da morte de Tarrou, a peste ali anuncia a condição impotente do homem ao lidar com a angustia, de não ter nenhuma distração que o faça esquecer de que um dia irá se depara com a morte. Quando a peste resolvida, para a personagem já não se faz sentido viver. Tarrou tinha consciência de quando estéril a vida é sem ilusões” (CAMUS,2011, p. 263)

Referência Bibliográfica:

MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo. Petrópolis: Vozes, 1988. 230p. (Coleção psicanálise)

CAMUS, Albert. A Peste.Rio de Janeiro : BestBolso, 2011. 238p. Tradução de Valerie Rumjanek

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